Paciência

30-11-2013 17:26

 

 

"Perante os paradoxos da vida há que suster o juízo precipitado e dar tempo para que a verdade que assim se esconde se possa revelar."

Alexandre Palma

 

Paciência – viver com o mistério

 

"Paciência com os outros é Amor. Paciência consigo mesmo é Esperança. Paciência com Deus é Fé."  

Adel Bestavros

 

 

O mistério, ao contrário de um mero dilema, não pode ser resolvido, há que esperar, com paciência no seu limiar, perseverando aí, deixando-o amadurecer para que, a seu tempo, nos leve à maturidade.

(…) Amadurecer na própria fé também implica aceitar e suportar momentos – e, por vezes, até longos períodos – em que Deus se mantém afastado ou parece ter-se escondido. (…) Precisamos de fé, precisamente naqueles momentos crepusculares em que as nossas vidas e o mundo estão cheios de incerteza, durante a fria noite do silêncio de Deus. E a sua função não é trocar a nossa sede por certeza e segurança, mas ensinar-nos a viver com o mistério. A fé e a esperança são expressões da nossa paciência, precisamente nesses momentos – e o amor também o é. O amor sem paciência não é verdadeiro amor. (…) A fé – tal como o amor – está inseparavelmente ligada à confiança e à fidelidade. E a confiança e a fidelidade provam-se pela paciência.

 

Tomás Halik, Paciência com Deus

 

“Atitude Chan” - Paciência

 

Tens paciência para esperar até que a tua lama assente e a água fique clara? Consegues manter-te imóvel até que a ação justa surja por si?

Laozi

               

A China tem a particularidade de “tornar chinês”, tudo aquilo com que entra em contacto: após uma assimilação inicial surge, em seguida, algo com características muito próprias. Com o budismo as coisas não se passaram de forma muito diferente. O budismo foi a primeira expressão de uma espiritualidade estrangeira a implantar-se na China com sucesso. Para que prosperasse, muito contribuiu o facto de ter vários pontos em comum com o taoismo. Ambos consideram que o mundo tal como o vemos é uma ilusão; ambas valorizam o desapego, a introspeção, a vida contemplativa e a meditação. Entre as escolas budistas que se desenvolveram na China foi o budismo Chan (precursor do Zen japonês) que acabou por se impor.

            Chan é a tradução da palavra sânscrita dhyana, que significa meditação. A escola Chan rejeita os rituais e põe em causa a autoridade dos textos sagrados. De uma forma simplificada diríamos que para esta escola basta sentarmo-nos e libertar o espírito de qualquer constrangimento. Aparentemente simples, esta prática exige, no entanto, toda uma disciplina preparatória que permita a introspeção em toda a sua quietude, na interioridade da consciência. A prática do Chan pode começar por exercícios de controle da respiração ou de concentração do espírito num único objeto, até à sua dissolução.

            Cultivar uma “atitude Chan” ajuda-nos a permanecer calmos e centrados em qualquer circunstância. Para tal, deveremos exercitar-nos permanentemente: nos engarrafamentos, nas filas de espera, nos atrasos do avião… Dar mais tempo ao tempo, aproveitar a espera para nos organizarmos e resolver assuntos pendentes. E aqui a paciência desempenha um papel fundamental. De nada serve a agitação ou querermos precipitar as coisas. As estações não podem ser aceleradas. Os camponeses chineses sabiam que um dia o céu acabaria por lhes enviar a chuva, mas não sabiam quando: uma vez terminadas as sementeiras, recolhiam-se nas respetivas casas e descansavam. Como eles, talvez devamos aprender a esperar e descontrair.

Esta aprendizagem está intimamente relacionada com a aceitação. A aceitação, tão difícil de compreender pelos ocidentais, é uma das formas de atingir a serenidade e por conseguinte, o bem-estar. Estamos habituados a lutar contra a realidade e a reagir impulsivamente a tudo o que nos provoque qualquer tipo de contrariedade. Ora a aceitação não significa demitirmo-nos ou renunciarmos à acção. Christophe André dá-nos os seguintes exemplos:

Se tivermos de apanhar um avião e o nosso carro estiver preso num engarrafamento é muito provável que já não tenhamos tempo de conseguir o nosso intuito. A nossa reação imediata é a de não aceitar, ou aceitar mal o facto de perdermos o avião. Só se deparam na nossa mente, as contrariedades e os aborrecimentos que daí resultarão. Os pensamentos negativos surgem numa torrente. O inconveniente desta atitude é que ela não vai resolver o nosso problema de atraso e até poderá criar outros, como enganarmo-nos na porta de embarque por causa da pressa. A atitude de aceitação consiste em dizer-nos: “Bom, parece que vou perder o avião. É muito aborrecido, mas não serei o primeiro, nem o último a quem tal acontece. Não vale a pena enervar-me, pois as coisas ainda ficarão mais complicadas. A finalidade da aceitação dos factos (o atraso) não é renunciar à ação, mas, pelo contrário, agir melhor.”

Outro exemplo, será o de uma situação em que estou a discutir política com um amigo. A minha opinião é a de que ele só tem argumentos idiotas e absurdos. No fundo, as ideias dele incomodam-me porque são diferentes das minhas. “É provável que esta não-aceitação daquilo que ele pensa e do facto de ele ter o direito de pensar dessa maneira vá ao mesmo tempo agravar o meu estado emocional, reduzir a minha capacidade de entender o diálogo e por fim, mesmo momentaneamente, a qualidade da minha relação com o meu amigo.” Se eu tentar aceitar o que ele pensa (mesmo que não esteja de acordo) e prestar atenção ao que diz, sem julgar, em vez de encerrar o diálogo, abro-o plenamente. A aceitação, no caso, não significa dar razão ao meu amigo, mas estar-lhe recetivo, tentar compreendê-lo.

A “atitude Chan” pressupõe, assim, a aprendizagem da paciência, da aceitação, do acolhimento do outro e da realidade que nos envolve.

 

Teresa Ferreira, Sementes de Bem-Estar na Sabedoria Chinesa

 

A paciência permite-nos uma disponibilidade total para aquilo que, em cada momento, nos é dado. Permite-nos um despojamento que nos abre ao que nos ultrapassa, uma abertura a uma dimensão maior: a dimensão do Amor, da Esperança, da Fé.