Cruzamo-nos, mas não nos encontramos

10-08-2013 11:27

 

 

Observar e sentir sem julgar, nem interpretar

 
 Camille Pissarro
 
 

Concordamos, em geral, com o facto de grande parte da nossa riqueza residir nas relações profundas e duradouras que criamos connosco mesmos, com os outros e com tudo o que nos rodeia, mas sabemos, também, o quão difícil é concretizá-lo. Os grandes obstáculos, segundo Thomas d`Ansembourg, que o impedem são:

 

1º) Raramente, estamos em contacto com a realidade tal como ela é.

 

Estamos em contacto com a realidade tal como acreditamos que ela seja, como a vemos, como a interpretamos e não como ela é objetivamente.

Segundo Krishnamurti, saber distinguir a observação de um facto da sua interpretação, é um dos estados mais avançados da inteligência humana. É, sem dúvida, uma das coisas mais difíceis: Diferenciar o facto tal como se apresenta, da emoção que provoca em nós. A nossa interpretação dos factos adquire a cor dos medos, das esperanças e das projeções que vivem em nós – construímos cenários mais ou menos fictícios sobre a realidade.

A consciência de que misturamos os factos com as emoções que despoletam em nós, pode iniciar o caminho que nos levará ao verdadeiro ENCONTRO com o outro. O primeiro passo será, portanto, o da observação mais neutra possível. O segundo passo, o de expressarmos a nossa observação encetando um diálogo de maneira a respeitar a realidade e o ponto de vista do outro. Ao distinguirmos os factos das emoções permitimo-nos, em seguida, comunicar a emoção que a observação fez surgir em nós, sem julgar nem agredir.

 

2º) Baseamos muitas vezes as nossas reações nas nossas impressões, crenças e preconceitos, em vez de as basearmos no que sentimos verdadeiramente.

 

Não nos escutamos a nós próprios do modo mais adequado. Se perguntarmos a uma pessoa “Como se sente?” em relação a uma situação preocupante é natural que ela responda “Sinto que é preciso fazer isto ou aquilo… Sinto que está tudo perdido…”

O nosso velho hábito de pensar em vez de sentir a vir ao de cima: Respondemos, muitas vezes, através de pensamentos, conceitos, comentários e não através de um sentimento quando a pergunta se situa no âmbito dos sentimentos. Basta dizer “Sinto que…” para nos convencermos que estamos a expressar um sentimento. Há, portanto, que diferenciar emoção de pensamento, pois é esta diferenciação que nos permitirá situar em relação a uma situação ou pessoa sem julga-la, nem criticá-la e sem descarregarmos para cima dela a responsabilidade do que estamos a viver.

Assim, há que saber identificar no vocabulário dos sentimentos, aqueles que contêm uma interpretação ou um juízo acerca do que os outros dizem, fazem ou são. No fundo, as palavras que sugerem erro por parte de alguém, ou que atribuam ao outro a responsabilidade do que sentimos pode alertar-nos para o facto de estarmos a misturar sentimentos com interpretações. Para terminar, por hoje, deixamos-vos três exemplos de sentimentos ou emoções que contêm julgamentos escondidos:

 

INTERPRETAÇÂO

Possíveis EMOÇÕES

Insultada

Furiosa, emocionada, triste

Rejeitada

Magoada, assustada, zangada

Desvalorizada

Zangada, triste, desapontada

 

3º) Agimos em função de critérios exteriores: o hábito, a tradição, o dever imposto ou suposto (“Acho que tenho que…”), o medo do olhar do outro – pais, conjugue, filhos, colegas… - ou essa parte de nós próprios que não conhecemos bem, que não nos é familiar e cujo juízo ou culpabilidade receamos.

Habituámo-nos “a acreditar que somos mais ou menos sempre e mais ou menos totalmente responsáveis pelo bem-estar do outro, assumindo uma impressão confusa e quase constante da nossa culpabilidade em relação ao outro, bem mais do que uma percepção esclarecida da responsabilidade de cada um. Ao mesmo tempo, habituamo-nos a acreditar que o outro é mais ou menos sempre e mais ou menos totalmente responsável pelo nosso bem-estar, assumindo uma impressão confusa e quase constante da sua culpabilidade ou dívida em relação a nós”, esperando que o outro cuide das nossas necessidades sem que as tenhamos identificado ou dirigindo-lhe pedidos como se fossem exigências, sem explicarmos qual é a nossa necessidade. Então, se o outro não reagir como desejamos, criticamos, julgamos…

Tomar consciência das nossas necessidades ajuda-nos a perceber que estas existem independentemente da situação ou pessoa com quem possamos estar. As pessoas ou situações só nos dão a oportunidade de as satisfazer, pois as necessidades são preexistentes a qualquer situação.

Exprimir a nossa necessidade diferenciando-a das nossas expectativas em relação ao outro, abre-nos todo um potencial de soluções entre as quais pode existir a sua intervenção, mas não só. Por outro lado, dá-lhe um espaço de liberdade, liberdade que possibilita o verdadeiro encontro.

 

4º) Incompreensão das nossas necessidades.

Se não compreendermos as nossas necessidades acabaremos por lhes renunciar submetendo-nos às soluções dos outros para lhes agradar (“ser boa pessoa”) ou por impor as nossas soluções, ou ainda por ficar à espera que os outros nos “adivinhem”.

É incrível como, por estranho que pareça, as nossas necessidades precisam mais de reconhecimento do que satisfação.

É extraordinariamente apaziguador tomar consciência do nosso mundo interior, sem forçar uma parte, nem recalcar outra: identificar e nomear necessidades cuja satisfação, num determinado momento, nos pareça conflituante e, portanto, não exista uma solução imediata. Ao fazê-lo redefinem-se prioridades e abrem-se caminhos para novas soluções.

É a consciência da necessidade que nos permite uma escolha viva que envolve a nossa totalidade no encontro com o outro.

 

Fonte:  Seja verdadeiro, Thomas d`Ansembourg