As intenções que atribuímos aos outros

17-11-2013 20:37

 

imagem da net

 

Um condutor ultrapassa-me a grande velocidade e de forma perigosa. Depois do susto a minha reação é de cólera. Mas não fico por aqui. A minha mente começa a trabalhar num rol de suposições para explicar o comportamento do condutor: “Mais um que pensa que a estrada é só dele! O tipo de pessoas que só pensa nelas… “

Partindo de um facto real deixo que a minha mente parta para uma escalada, sem fim, de explicações relativamente ao comportamento que me desagradou.

É o que acontece no meu quotidiano: atribuo, de imediato, intenções a alguém. Mas que intenções escolho? As mais luminosas, positivas? Não, sem me dar conta dou aos outros a pior das minhas intenções. E, para cúmulo, reajo às intenções que eu próprio atribuí. Tomo-as pessoalmente. Em suma, funciono num circuito fechado, num autismo interior. Faço o meu pequeno filme sozinho: o outro é o ecrã das minhas projeções.

Como evitar fazer suposições e fechar-se numa redoma mental virtual? Existem, pelo menos, duas formas possíveis.

Na primeira, posso, simplesmente perguntar o que motivou aquela ação. Alguém fez algo que me desagradou e eu pergunto porquê. É tão simples quanto isto, mas é espantoso constatar que geralmente nós não o fazemos, convencidos que sabemos exatamente o que levou o outro a agir. Até descobrirmos que estamos completamente enganados…

Não fazer suposições significa, sobretudo, restabelecer a comunicação: conversar, interrogar, clarificar, tentar compreender dirigindo-se aos interessados. Ficará espantado ao ver as inúmeras suposições que economizamos assim. Adeus às ilusões, adeus às projeções!

No entanto, nem sempre existe a possibilidade de perguntarmos o que motivou determinado comportamento, tal como no exemplo do condutor apressado. Uma situação em que a tentação de atribuir intenções (geralmente negativas), à pessoa em causa, é bem mais forte. No exemplo do condutor eu simplesmente presumi que era um egoísta e inconsciente. Encontrada a explicação evidente para mim bastou. Nestes casos, talvez a melhor maneira de tomar consciência de que é, efetivamente, uma suposição, de que não é a realidade, de que sou eu que estou a atribuir intenções a alguém, seja multiplicar as suposições e hipóteses: fazer o pleno das suposições! Tentar, para cada suposição negativa encontrar duas positivas. Neste caso:

- É um egoísta, um inconsciente.

- A sua mulher entrou em trabalho de parto no banco de trás e se ele não chega ao hospital dentro de 10 minutos o bebé nasce no carro.  

- Ele acabou de ter uma crise de asma e pode correr o risco de morrer ao volante.

O que se passa quando utilizo todos os recursos da minha imaginação e invento não uma suposição inconsciente, mas duas, três ou quatro suposições conscientes? Enfim, chego à única conclusão que se impõe: não sei nada! Fiquei enfurecida, mas não vou deixar o meu mental imaginar os piores cenários possíveis para justificar a minha zanga e cólera, ampliando-as ainda mais. Liberto-me assim da tirania das emoções, as quais durarão uns três, quatro minutos, em vez de perdurarem ao longo do dia, ruminando ou contando o incidente aos meus colegas no escritório, ou à família quando chego a casa.

Que tal tomarmos a decisão de nos observarmos, nem que seja durante um dia para começarmos, e anotar a quantidade de vezes que atribuímos intenções a outrem? Ficamos siderados! Fazemos isto o tempo todo. É praticamente a nossa segunda natureza. E o mesmo se passa à nossa volta. Basta escutar as conversas no café, no emprego… As pessoas passam o tempo a atribuir intenções ao colega, ao marido, ao patrão, aos responsáveis políticos, às personalidades mediáticas…E até mesmo à vida, à natureza, a Deus!

As suposições envenenam-nos a existência a maior parte das vezes. Cortam-nos da realidade, fazem-nos funcionar num circuito fechado, num casulo mental. Tomemos consciência das projeções que fazemos e libertemo-nos desta redoma virtual, libertando os outros também. Aprendamos a viver com a incerteza, aceitando as situações cujas causas não sabemos, deixemos de encontrar explicações para aquilo que desconhecemos e desenvolvamos uma confiança profunda na vida, em qualquer coisa que nos ultrapassa e que dá sentido àquilo que não compreendemos num dado momento.

Fonte: Le jeu des accords toltèques, Olivier Clerc – Marc Kucharz